Vitória: A Ilha Capital Entre Belezas Naturais, Tradição Capixaba e os Horizontes da Saúde Mental

Vitória, a capital do estado do Espírito Santo, é uma cidade que se destaca por sua beleza singular, aninhada em uma ilha montanhosa e cercada pelas águas da Baía de Vitória e pelo Oceano Atlântico. Uma das três capitais brasileiras localizadas em ilhas (juntamente com Florianópolis e São Luís), a cidade de mais de 322 mil habitantes (IBGE, 2022) combina o charme de um dos municípios mais antigos do país com a modernidade de um importante polo portuário, administrativo e de serviços. Conhecida por sua alta qualidade de vida, suas paisagens deslumbrantes e sua rica cultura capixaba, Vitória enfrenta, como outros centros urbanos, os desafios inerentes ao desenvolvimento e à crescente demanda por cuidados com a saúde mental de sua população. Este texto, com informações contextuais até 21 de maio de 2025, propõe uma imersão na identidade vitoriense, explorando sua história, seus encantos e sua cultura, para então se aprofundar no panorama da saúde mental na cidade, seus avanços, obstáculos e as perspectivas para um futuro onde o bem-estar psíquico seja tão valorizado quanto suas belezas naturais e seu patrimônio.

Vitória: História, Cultura e a Essência Capixaba na “Cidade Sol”

Fundada em 8 de setembro de 1551, Vitória teve suas origens na Vila Velha, a primeira sede da Capitania do Espírito Santo. Devido aos constantes ataques indígenas e de corsários, os colonizadores portugueses buscaram um local mais seguro, encontrando-o na ilha que Vasco Fernandes Coutinho, primeiro donatário da capitania, chamou de Ilha de Santo Antônio, rebatizada posteriormente como Vila Nova do Espírito Santo e, mais tarde, Vitória, em comemoração a uma vitória sobre os índios Goitacazes. Sua localização estratégica, com um porto natural protegido, moldou seu desenvolvimento inicial.

A história de Vitória é marcada por sua vocação portuária, servindo como importante ponto de escoamento de produtos agrícolas e, mais tarde, de minério de ferro e outros bens industrializados através do Complexo Portuário de Vitória e Tubarão, um dos mais importantes da América Latina. A cidade também testemunhou diferentes ciclos econômicos e ondas de imigração, principalmente italiana e alemã no estado, que, embora mais concentradas no interior, influenciaram a cultura capixaba como um todo.

A cultura capixaba, e em especial a vitoriense, é um rico amálgama de influências indígenas, portuguesas, africanas e dos imigrantes europeus. O Congado, uma manifestação folclórica de origem afro-brasileira que celebra santos católicos com cantos, danças e tambores, é uma das expressões mais vivas dessa herança. O artesanato das panelas de barro de Goiabeiras é um Patrimônio Cultural Imaterial do Brasil, uma tradição secular passada de geração em geração pelas artesãs do bairro de Goiabeiras, que utilizam técnicas ancestrais indígenas para criar as panelas onde se prepara a autêntica moqueca capixaba.

A gastronomia é um dos grandes orgulhos do Espírito Santo, e Vitória é um excelente local para apreciá-la. A moqueca capixaba, preparada em panela de barro com peixes frescos, tomates, cebolas, coentro e urucum (diferenciando-se da baiana por não levar azeite de dendê nem leite de coco), é o prato mais emblemático. A torta capixaba, tradicionalmente consumida na Semana Santa, o peroá frito, a muma de siri e os diversos pratos à base de frutos do mar frescos são outras delícias imperdíveis.

A geografia insular de Vitória, conectada ao continente por pontes como a imponente Terceira Ponte (que a liga a Vila Velha), confere à cidade uma paisagem urbana singular, com morros, enseadas e praias. A Praia de Camburi, a mais extensa da capital, é um polo de lazer e esportes. A Curva da Jurema, a Praia do Canto, e as praias mais reservadas da Ilha do Boi e Ilha do Frade também são muito apreciadas. O Parque Moscoso, o mais antigo da cidade, é um refúgio verde no centro.

O Centro Histórico de Vitória preserva importantes edificações, como a Catedral Metropolitana, o Palácio Anchieta (sede do governo estadual, antigo colégio jesuíta), o Theatro Carlos Gomes e as escadarias Bárbara Lindenberg e Maria Ortiz, que contam histórias da cidade. Embora localizado em Vila Velha, o Convento da Penha, com sua vista panorâmica espetacular, é um ícone indissociável da Grande Vitória e um importante centro de peregrinação religiosa.

Economicamente, além das atividades portuárias e industriais (com forte presença da Vale e ArcelorMittal no complexo de Tubarão), Vitória se destaca no comércio, nos serviços e na administração pública. A cidade possui um dos mais altos Índices de Desenvolvimento Humano (IDH) entre as capitais brasileiras, refletindo uma boa qualidade de vida para parte de sua população, embora as desigualdades sociais ainda sejam um desafio.

Saúde Mental em Vitória: Navegando Desafios e Construindo Redes de Cuidado na “Cidade Sol”

A “Cidade Sol”, com sua beleza natural e sua reputação de qualidade de vida, não está imune aos complexos desafios da saúde mental que afetam as populações urbanas contemporâneas. O estresse da vida moderna, as pressões socioeconômicas, as questões ambientais específicas da região e as particularidades culturais influenciam o bem-estar psíquico dos vitorienses, demandando uma rede de cuidados em saúde mental cada vez mais articulada, acessível e humanizada.

A Rede de Atenção Psicossocial (RAPS) Vitoriense:

Vitória tem estruturado sua Rede de Atenção Psicossocial (RAPS) através do Sistema Único de Saúde (SUS), buscando oferecer um cuidado comunitário, territorializado e em consonância com os princípios da Reforma Psiquiátrica Brasileira. Essa rede é composta por:

• Centros de Atenção Psicossocial (CAPS): São os principais articuladores do cuidado em saúde mental no território. Vitória conta com diferentes modalidades:

  • CAPS II (como o Ilha de Santa Maria e o CAPS II Vitória): Para atendimento a adultos com transtornos mentais graves e persistentes.
  • CAPS AD (Álcool e outras Drogas, como o CAPS AD Ilha de Santa Maria/Bento Ferreira): Oferece cuidado especializado para pessoas com necessidades decorrentes do uso problemático de álcool e outras substâncias psicoativas.
  • CAPS III São Pedro: Com funcionamento 24 horas, para acolhimento integral de casos mais graves de transtornos mentais, incluindo hospitalidade noturna.
  • CAPSi (Infantojuvenil): Destinado ao cuidado de crianças e adolescentes com transtornos mentais. Estes centros funcionam em regime de porta aberta, oferecendo acolhimento, acompanhamento multiprofissional e diversas atividades terapêuticas.

• Atenção Primária à Saúde (APS): As Unidades Básicas de Saúde (UBS) são a porta de entrada do SUS e desempenham um papel crucial na identificação precoce de problemas de saúde mental, no manejo de casos leves e moderados, na promoção da saúde mental e na articulação com os CAPS e outros serviços especializados.

• Clínicas-Escola Universitárias: Como um importante polo educacional, Vitória se beneficia da contribuição de diversas clínicas-escola de psicologia mantidas por instituições de ensino superior. A Universidade Federal do Espírito Santo (UFES), a FAESA Centro Universitário, a Multivix e o Centro Universitário Salesiano (UNISALES) são exemplos de instituições que oferecem atendimento psicológico gratuito ou a custos sociais para a comunidade, ampliando o acesso e contribuindo para a formação de novos profissionais. A Universidade Vila Velha (UVV), embora em município vizinho, também é uma referência para a Grande Vitória.

• Serviços de Urgência/Emergência e Iniciativas Especializadas: Prontos Atendimentos como o da Praia do Suá e o de São Pedro podem oferecer o primeiro acolhimento em crises. A Associação Pestalozzi de Vitória oferece suporte a pessoas com deficiência intelectual e suas famílias. A Caixa de Assistência dos Advogados do Espírito Santo (CAAES) oferece atendimento psicológico a seus associados.

• Apoio da Sociedade Civil: O Centro de Valorização da Vida (CVV), através do telefone 188, oferece apoio emocional vital e atua na prevenção do suicídio.

Desafios Estruturais e Conjunturais no Cuidado à Mente:

Apesar da existência de uma rede empenhada, a garantia de um cuidado em saúde mental universal, equitativo e de qualidade em Vitória enfrenta obstáculos significativos:

• Acesso, Equidade e a Cobertura: A geografia insular de Vitória, com suas pontes e a necessidade de deslocamento entre a ilha e o continente (onde muitos serviços também se localizam ou onde reside parte da população que busca atendimento), pode impor desafios de acesso. A demanda por serviços de saúde mental é crescente e, muitas vezes, superior à capacidade de atendimento da rede, resultando em filas de espera.
• Estigma e as Barreiras Socioculturais: O preconceito em relação aos transtornos mentais e à busca por ajuda profissional ainda é uma barreira importante, mesmo em uma cidade com bom nível de informação. Fatores culturais podem influenciar a forma como o sofrimento psíquico é percebido e se a busca por tratamento profissional é considerada.
• Impactos Socioeconômicos, Ambientais e Vulnerabilidades Urbanas: A desigualdade social, o desemprego, a violência urbana e as pressões da vida moderna são fatores de risco que impactam negativamente a saúde mental. Uma questão ambiental crônica em Vitória e Grande Vitória é a poluição do ar pelo chamado “pó preto”, oriundo das atividades do complexo portuário e industrial de Tubarão, que, além dos problemas respiratórios, pode gerar estresse e ansiedade relacionados à saúde e à qualidade de vida.
• Recursos Humanos, Financeiros e de Infraestrutura: A necessidade de mais profissionais qualificados na rede pública (psiquiatras, psicólogos, terapeutas ocupacionais, assistentes sociais, enfermeiros especializados), bem como a garantia de financiamento adequado para a expansão e manutenção da RAPS e a melhoria da infraestrutura dos serviços, são desafios permanentes para a gestão pública.
• Questões Específicas: O uso problemático de álcool e outras drogas, a saúde mental de trabalhadores submetidos a ambientes de alta pressão (como os do setor portuário e industrial), e as necessidades de populações específicas (idosos, LGBTQIA+, pessoas com deficiência) demandam atenção e estratégias particularizadas.

Semeando Bem-Estar e Resiliência: Iniciativas e Perspectivas Futuras:

Mesmo diante dos desafios, Vitória demonstra um compromisso crescente com a promoção da saúde mental, impulsionado por diversas iniciativas e um potencial de avanço:

• Políticas Públicas e o Fortalecimento da Rede: As gestões municipal e estadual têm buscado fortalecer a RAPS, ampliar o acesso aos serviços e qualificar o atendimento, com foco na intersetorialidade e na atenção comunitária.
• O Protagonismo da Academia: As universidades locais são parceiras cruciais na formação de profissionais de saúde mental, na realização de pesquisas que buscam compreender as realidades capixabas e no desenvolvimento de projetos de extensão que beneficiam diretamente a comunidade.
• Conscientização, Educação em Saúde e a Luta Antimanicomial: Campanhas como o “Janeiro Branco” (dedicado à conscientização sobre a saúde mental) e o “Setembro Amarelo” (prevenção ao suicídio), juntamente com os movimentos sociais em defesa dos direitos das pessoas com transtornos mentais, ganham cada vez mais espaço na cidade, promovendo o debate público, combatendo o estigma e incentivando a busca por ajuda.
• A Busca por um Cuidado Humanizado, Territorial, Integrado e Adaptado às Realidades Locais: Há um esforço crescente para promover um cuidado em saúde mental que seja humanizado, centrado nas necessidades e na autonomia do indivíduo, que valorize o vínculo terapêutico e que seja articulado com outras políticas setoriais (assistência social, educação, cultura, esporte, trabalho e renda) para promover a saúde mental de forma integral.

Vitória, um Porto Seguro para a Saúde Mental Capixaba

Vitória, com sua beleza natural que salta aos olhos, sua rica história e a hospitalidade de seu povo, é uma cidade que inspira bem-estar. No entanto, para que essa qualidade de vida seja verdadeiramente abrangente, o cuidado com a saúde mental de seus cidadãos precisa ser uma prioridade constante e crescente. A jornada para construir um sistema de saúde mental acessível, equitativo, humanizado e livre de estigmas é complexa, mas essencial.

A força da identidade capixaba, sua capacidade de inovação e a colaboração entre poder público, instituições de ensino e sociedade civil são alicerces importantes nessa empreitada. Ao enfrentar seus desafios com transparência, investir em seus profissionais e em sua rede de cuidados, e promover uma cultura de acolhimento e empatia, Vitória pode não apenas melhorar a qualidade de vida de seus habitantes, mas também se consolidar como um exemplo de como uma capital pode ser, de fato, um porto seguro para a saúde mental de seu povo. Que a brisa do mar que refresca a “Cidade Sol” possa também soprar ventos de esperança e renovação para o campo do bem-estar psíquico capixaba.