São Luís do Maranhão: A Ilha Magnética Entre Azulejos, Tambores e os Horizontes da Saúde Mental

São Luís, a capital do estado do Maranhão, é uma cidade singular, uma ilha que flutua entre o oceano Atlântico e as baías de São Marcos e São José, carregando em suas ruas de pedra e casarões coloniais as marcas de uma história rica e multifacetada. Única cidade brasileira fundada por franceses, em 1612, e posteriormente colonizada por portugueses, São Luís ostenta com orgulho o título de Patrimônio Cultural da Humanidade concedido pela UNESCO, devido ao seu conjunto arquitetônico colonial português adaptado ao clima equatorial, com destaque para a impressionante azulejaria que adorna suas fachadas. Conhecida como a “Ilha do Amor”, a “Atenas Brasileira” por seu florescimento intelectual no século XIX, e a “Jamaica Brasileira” pela força de sua cena reggae, a cidade de mais de 1 milhão de habitantes (IBGE, 2022) é um caldeirão cultural efervescente. No entanto, essa identidade vibrante e complexa também molda os desafios e as particularidades do cuidado com a saúde mental de sua população. Este texto, com informações contextuais até 21 de maio de 2025, propõe um mergulho na alma ludovicense, explorando sua trajetória, seus encantos e sua cultura, para então se aprofundar no panorama da saúde mental na cidade, seus avanços, obstáculos e as perspectivas para um futuro onde o bem-estar psíquico seja tão celebrado quanto suas tradições.

São Luís: História, Cultura e a Magia da “Ilha do Amor”

A história de São Luís é um conto de disputas e confluências. Fundada por Daniel de La Touche, Senhor de La Ravardière, que a nomeou em homenagem ao rei Luís XIII da França, a “França Equinocial” durou pouco, sendo retomada pelos portugueses em 1615. A cidade também vivenciou uma breve ocupação holandesa. Consolidada sob o domínio português, São Luís floresceu durante o Ciclo do Algodão e do Arroz, nos séculos XVIII e XIX, tornando-se um importante centro exportador e uma das cidades mais ricas do Brasil Colônia. Essa prosperidade se refletiu na suntuosidade de seus casarões, muitos deles revestidos com azulejos portugueses, uma técnica adaptada para proteger as construções da umidade e conferir beleza às edificações.

O Centro Histórico de São Luís é um labirinto de ruas estreitas, becos, praças e solares que convidam a uma viagem no tempo. A Rua Portugal, com seus sobrados azulejados, a Praça Benedito Leite, o Palácio dos Leões (sede do governo estadual), o Palácio de La Ravardière (sede da prefeitura), a Catedral da Sé e o Teatro Arthur Azevedo (um dos mais antigos do Brasil) são joias arquitetônicas que testemunham a opulência do passado.

A cultura ludovicense é um espetáculo de cores, ritmos e sabores, resultado da fusão das heranças indígena, africana e europeia. O Bumba Meu Boi do Maranhão, Patrimônio Cultural Imaterial da Humanidade, é a mais grandiosa e complexa manifestação cultural do estado, com seus diversos “sotaques” (grupos com características musicais, coreográficas e indumentárias próprias), que se apresentam durante as festas juninas, transformando a cidade em um imenso arraial. O Tambor de Crioula, dança circular de origem africana, marcada pela sensualidade e pela força dos tambores, é outra expressão vibrante da cultura popular. E, de forma surpreendente para muitos, São Luís se consolidou como a capital brasileira do reggae, com uma cena musical pulsante, radiolas (potentes sistemas de som) e uma legião de fãs que celebram o ritmo jamaicano com uma paixão contagiante.

A gastronomia maranhense é rica e singular. O arroz de cuxá (feito com vinagreira, gergelim, camarão seco e outros ingredientes), a peixada maranhense, a torta de camarão, o peixe frito com farinha d’água, o doce de espécie (um doce conventual) e os sucos e doces de frutas regionais como bacuri, cupuaçu e murici são iguarias que deliciam o paladar.

A localização insular de São Luís, na Ilha de Upaon-Açu (“Ilha Grande” em tupi), proporciona um litoral com praias como Ponta d’Areia, Calhau, São Marcos e Olho d’Água, que, apesar das fortes marés, oferecem espaços de lazer. A Lagoa da Jansen, uma extensa laguna em área urbana, é outro ponto de encontro e contemplação, embora enfrente desafios ambientais.

Economicamente, São Luís se destaca pelas atividades portuárias, através do Complexo Portuário do Itaqui (um dos maiores e mais movimentados do Brasil, escoando minério de ferro, grãos e outros produtos), pela indústria (com destaque para o polo de produção de alumina e alumínio – Alumar), pelo comércio, serviços e turismo.

Saúde Mental em São Luís: Desafios e Avanços na “Atenas Brasileira”

A saúde mental da população ludovicense, inserida em um contexto de grande riqueza cultural, mas também de significativas desigualdades sociais e desafios urbanos, é uma área que demanda atenção crescente e estratégias de cuidado que considerem as especificidades locais. A alcunha de “Atenas Brasileira”, que remete a um passado de efervescência intelectual, contrasta com as necessidades contemporâneas de uma população que enfrenta as pressões da vida moderna em uma capital nordestina.

A Estrutura da Rede de Atenção Psicossocial (RAPS) Ludovicense:

São Luís tem buscado estruturar sua Rede de Atenção Psicossocial (RAPS) através do Sistema Único de Saúde (SUS), com o objetivo de oferecer um cuidado comunitário, territorializado e em consonância com os princípios da Reforma Psiquiátrica Brasileira. Essa rede é composta por:

• Centros de Atenção Psicossocial (CAPS): São os principais dispositivos de cuidado especializado em saúde mental. São Luís conta com diferentes modalidades:

  • CAPS Estadual (tipo II e AD III): Atendendo adultos com transtornos mentais e necessidades decorrentes do uso de álcool e outras drogas, com unidades como o CAPS AD III Estadual na Areinha e o CAPS II Estadual no Centro.
  • CAPSi Estadual (Infantojuvenil): Destinado ao cuidado de crianças e adolescentes, localizado no Centro.
  • CAPS Municipal (tipo AD e III): Como o CAPS AD Municipal no Bairro de Fátima e o CAPS III Dr. Bacelar Viana (24h) no Monte Castelo, que oferecem acolhimento e tratamento.
  • CAPS II Olho D’Água: Outra unidade que compõe a rede. Estes centros funcionam em regime de porta aberta, oferecendo acolhimento, acompanhamento multiprofissional e diversas atividades terapêuticas.

• Atenção Primária à Saúde (APS): As Unidades Básicas de Saúde (UBS) e Centros de Saúde são a porta de entrada do SUS e desempenham um papel fundamental na identificação precoce de problemas de saúde mental, no manejo de casos leves e moderados, na promoção da saúde mental e na articulação com os CAPS. Centros de Especialidades, como o do Filipinho e o CEMDI Bequimão, também podem oferecer ou encaminhar para atendimento psicológico.

• Instituições de Ensino Superior: A Universidade Federal do Maranhão (UFMA), através do Serviço de Psicologia Aplicada (SPA) ou Serviço Escola de Psicologia (SEP), e a Unidade de Ensino Superior Dom Bosco (UNDB), com sua clínica de psicologia, são exemplos de instituições que oferecem atendimento psicológico gratuito ou a custos sociais para a comunidade. A Faculdade de Educação São Luís, com o CAPE, foca nos seus alunos, mas indica a importância de tais serviços. Esses espaços são cruciais para ampliar o acesso e para a formação de novos profissionais.

• Iniciativas Especializadas e de Apoio Comunitário: O Centro de Valorização da Vida (CVV), através do telefone 188, oferece apoio emocional vital. A Divisão Psicossocial do Tribunal de Justiça do Maranhão (TJMA) oferece suporte a seus servidores e dependentes. Projetos municipais itinerantes, como o “Cuidar+”, buscam levar serviços de saúde mental às comunidades.

Desafios Estruturais e Conjunturais no Cuidado à Mente:

A garantia de um cuidado em saúde mental universal, equitativo e de qualidade em São Luís enfrenta obstáculos significativos:

• Acesso, Equidade e a Cobertura em uma Cidade Insular e Metropolitana: A condição insular de São Luís e a expansão de sua região metropolitana impõem desafios logísticos para o acesso aos serviços, especialmente para populações de áreas mais afastadas ou com menor mobilidade. A demanda por atendimento é crescente e, muitas vezes, superior à capacidade da rede, resultando em filas de espera.
• Estigma e a Intersecção com Saberes Populares, Religiosidade e Tradições: O estigma em relação aos transtornos mentais ainda é uma barreira importante. Em São Luís, com sua rica diversidade religiosa (incluindo o Tambor de Mina, o Terecô e outras manifestações afro-brasileiras) e seus saberes populares, é crucial que os serviços de saúde mental dialoguem respeitosamente com essas tradições, evitando a patologização de práticas culturais e buscando parcerias com lideranças comunitárias e religiosas.
• Impactos Socioeconômicos, Violência e as Vulnerabilidades: São Luís é uma cidade marcada por profundas desigualdades sociais. A pobreza, o desemprego, a violência urbana, a falta de acesso a moradia digna, saneamento básico e educação de qualidade são fatores de risco que comprometem gravemente a saúde mental da população. O racismo estrutural também tem um impacto significativo na saúde mental da população negra e parda, majoritária na cidade.
• Recursos Humanos, Financeiros e de Infraestrutura: A atração e fixação de profissionais de saúde mental qualificados (psiquiatras, psicólogos, terapeutas ocupacionais, assistentes sociais) em número suficiente, bem como a garantia de financiamento adequado para a manutenção, expansão e qualificação contínua da RAPS, são desafios permanentes para a gestão pública.
• Questões Específicas: O uso problemático de álcool e outras drogas, especialmente o crack, a saúde mental de populações específicas (quilombolas da ilha, pescadores artesanais, jovens expostos à violência), e as consequências psicossociais de problemas urbanos crônicos (como alagamentos em áreas de palafitas) são temas que demandam atenção prioritária.

Semeando Axé e Esperança: Iniciativas e Perspectivas Futuras:

Apesar dos desafios, São Luís possui uma imensa riqueza cultural e uma capacidade de mobilização social que podem ser alavancas para o fortalecimento da saúde mental:

• Políticas Públicas e o Fortalecimento da Rede com Foco na Intersetorialidade: Há um esforço contínuo por parte das gestões estadual e municipal para expandir e qualificar a RAPS, com uma crescente conscientização sobre a necessidade de abordagens intersetoriais, articulando saúde com assistência social, educação, cultura, justiça e direitos humanos.
• O Protagonismo da Academia: A UFMA e outras instituições de ensino superior são atores centrais na formação de profissionais, na pesquisa científica sobre as particularidades da saúde mental no Maranhão e no desenvolvimento de projetos de extensão que beneficiam diretamente a comunidade.
• Conscientização, Educação em Saúde, Empoderamento Comunitário e a Luta Antimanicomial: Campanhas como o “Janeiro Branco” e o “Setembro Amarelo”, juntamente com os movimentos sociais em defesa dos direitos das pessoas com transtornos mentais e da luta antimanicomial, são fundamentais para combater o estigma, promover o debate público e fortalecer o controle social sobre as políticas de saúde.
• A Busca por um Cuidado Humanizado, Territorial, Culturalmente Sensível e Integrado: A perspectiva é de um cuidado em saúde mental que seja cada vez mais humanizado, centrado nas necessidades e na singularidade de cada indivíduo, que valorize o vínculo terapêutico, que seja construído no território em diálogo com as comunidades, e que respeite e integre os saberes e as práticas culturais locais.

São Luís, um Patrimônio de Humanidade que Merece Cuidado Integral com a Mente

São Luís do Maranhão, com seu legado histórico imponente, sua efervescência cultural única e a beleza singular de sua paisagem insular, é uma cidade que encanta e desafia. A “Ilha do Amor” carrega em si a força da ancestralidade, a criatividade de seu povo e a resiliência forjada em séculos de história. No campo da saúde mental, os desafios são tão complexos quanto sua trama urbana e social, mas o potencial de transformação e cuidado é imenso.

A jornada para construir um sistema de saúde mental verdadeiramente acessível, equitativo, culturalmente competente e resolutivo em São Luís exige um compromisso contínuo e multifacetado. Ao valorizar sua diversidade, combater as desigualdades estruturais, investir na qualificação de seus profissionais e, sobretudo, ao integrar o cuidado à saúde mental com a riqueza de suas tradições culturais e a força de suas comunidades, São Luís pode não apenas enfrentar seus desafios, mas também se tornar um exemplo de como uma cidade Patrimônio da Humanidade cuida do seu maior patrimônio: a saúde e o bem-estar de seu povo. Que os tambores do Maranhão ecoem também a melodia do cuidado, da esperança e da saúde mental para todos.