oão Pessoa: Onde o Sol Nasce Primeiro – Entre a História, a Natureza e o Desafio da Saúde Mental

João Pessoa, a capital do estado da Paraíba, é uma cidade que ostenta com orgulho o título de “Porta do Sol”, por ser o ponto mais oriental das Américas, onde os primeiros raios solares tocam o continente. Fundada em 1585, é a terceira cidade mais antiga do Brasil, carregando em suas ruas, praças e edificações as marcas de uma história rica e multifacetada. Conhecida também como “Cidade Verde” pela sua abundante arborização e pela preocupação com a qualidade de vida, João Pessoa combina a tranquilidade de uma cidade litorânea com a efervescência de uma capital nordestina em desenvolvimento. Com uma população que se aproxima de 834 mil habitantes (IBGE, 2022), a cidade enfrenta, como tantos outros centros urbanos, a crescente e complexa demanda por cuidados e atenção à saúde mental de sua população. Este texto, com informações contextuais até 21 de maio de 2025, propõe um mergulho na essência pessoense, explorando seu patrimônio histórico, suas belezas naturais e sua vibrante cultura, para então se aprofundar no panorama da saúde mental na cidade, seus avanços, desafios e as perspectivas para um futuro onde o bem-estar psíquico seja tão valorizado quanto o seu nascer do sol.

João Pessoa: Um Legado Histórico Banhado pelo Atlântico e Enraizado na Cultura Nordestina

A história de João Pessoa inicia-se com a fundação da Cidade Real de Nossa Senhora das Neves, em 5 de agosto de 1585, pelos colonizadores portugueses. Sua localização estratégica, na foz do Rio Paraíba, tornou-a um ponto crucial para a defesa do litoral contra invasões estrangeiras, especialmente francesas e holandesas, que também deixaram suas marcas na região. Ao longo dos séculos, a cidade mudou de nome diversas vezes (Filipeia de Nossa Senhora das Neves, Frederikstad durante o domínio holandês, Paraíba) até receber a denominação atual em 1930, em homenagem ao político paraibano João Pessoa Cavalcanti de Albuquerque.

O Centro Histórico de João Pessoa é um dos mais bem preservados do Brasil, tombado pelo IPHAN, e convida a uma viagem no tempo. O conjunto arquitetônico barroco da Igreja de São Francisco e do Convento de Santo Antônio é um dos mais importantes do país, com sua fachada imponente, talha dourada e painéis de azulejos portugueses. O Mosteiro de São Bento, a Catedral Basílica de Nossa Senhora das Neves, o Casarão dos Azulejos e a Praça Antenor Navarro, com seu casario colorido, são outros tesouros que narram a história da cidade.

A natureza é pródiga em João Pessoa. A cidade possui uma extensa faixa litorânea urbana, com praias de águas mornas e calmas, como Tambaú, Cabo Branco e Manaíra, ideais para banho e lazer. A orla é bem estruturada, com calçadões, ciclovias e quiosques que movimentam a vida social. Um dos pontos mais emblemáticos é a Ponta do Seixas, onde se localiza o Farol do Cabo Branco, marcando o ponto mais oriental das Américas. A Estação Cabo Branco – Ciência, Cultura e Artes, projetada por Oscar Niemeyer, é um complexo arquitetônico moderno que se destaca na paisagem e oferece uma rica programação cultural e científica.

A cultura paraibana, e em especial a pessoense, é um vibrante mosaico de influências indígenas, europeias e africanas. O forró, o xaxado e o baião são ritmos que embalam o cotidiano e as festas populares, com destaque para o São João, uma das maiores celebrações do Nordeste. O artesanato é rico e diversificado, com a renda renascença sendo um dos expoentes, além de peças em cerâmica, labirinto, madeira e o famoso algodão colorido naturalmente paraibano. A literatura de cordel e o repente são manifestações artísticas que expressam a sabedoria e a criatividade popular.

A gastronomia local é um convite à descoberta de sabores autênticos do Nordeste. Frutos do mar frescos, como peixes, camarões e lagostas, são abundantes. Pratos como a carne de sol com macaxeira (mandioca) e queijo coalho, o rubacão (uma espécie de baião de dois mais cremoso), a buchada de bode, o cuscuz nordestino e a tapioca recheada são iguarias que encantam o paladar. As feiras livres e o Mercado Central são locais ideais para experimentar esses sabores e adquirir produtos regionais. Um espetáculo à parte é o pôr do sol na Praia do Jacaré, ao som do Bolero de Ravel tocado por Jurandy do Sax, uma tradição que atrai turistas e moradores.

Economicamente, João Pessoa tem no turismo um de seus principais pilares, complementado pelo setor de serviços, comércio, administração pública e, mais recentemente, por um crescente ecossistema de tecnologia e inovação. A qualidade de vida, com um ritmo geralmente mais tranquilo que o de outras grandes capitais, e a beleza natural são fatores que atraem novos moradores e investimentos.

Saúde Mental em João Pessoa: Desafios e Avanços na “Porta do Sol”

A “Porta do Sol”, com sua atmosfera acolhedora e sua beleza natural, não está imune aos desafios contemporâneos que afetam a saúde mental da população. O estresse da vida moderna, as desigualdades socioeconômicas, a violência urbana e as particularidades culturais da região demandam uma rede de cuidados em saúde mental robusta, acessível e humanizada.

A Rede de Atenção Psicossocial (RAPS) Pessoense:

João Pessoa conta com uma Rede de Atenção Psicossocial (RAPS) estruturada pelo Sistema Único de Saúde (SUS), que busca oferecer um cuidado comunitário, territorializado e em consonância com os princípios da Reforma Psiquiátrica. Essa rede é composta por:

• Centros de Atenção Psicossocial (CAPS): São unidades especializadas que constituem o eixo central do cuidado em saúde mental. A cidade dispõe de diferentes modalidades:

  • CAPS para Transtornos Mentais (como o Gutemberg Botelho e o Caminhar): Atendem adultos com transtornos mentais graves e persistentes.
  • CAPS AD (Álcool e outras Drogas, como o David Capistrano, que funciona 24h): Oferecem cuidado especializado para pessoas com necessidades decorrentes do uso problemático de álcool e outras substâncias psicoativas.
  • CAPSi (Infantojuvenil, como o Cirandar): Destinado ao cuidado de crianças e adolescentes com transtornos mentais. Estes centros funcionam em regime de porta aberta, oferecendo acolhimento, acompanhamento multiprofissional e diversas atividades terapêuticas.

• Atenção Primária à Saúde (APS): As Unidades Básicas de Saúde (UBS) e os Centros de Saúde da Família (CSF) são a porta de entrada do SUS e desempenham um papel fundamental na identificação precoce de problemas de saúde mental, no manejo de casos leves e moderados, na promoção da saúde e na articulação com os CAPS e outros serviços especializados.

• Clínicas-Escola Universitárias: Como um importante polo educacional, João Pessoa se beneficia da contribuição de diversas clínicas-escola de psicologia mantidas por instituições de ensino superior. A Universidade Federal da Paraíba (UFPB), o Centro Universitário de João Pessoa (UNIPÊ), a FACENE/FAMENE, a Faculdade Internacional da Paraíba (FPB) e a UNINASSAU são exemplos de instituições que oferecem atendimento psicológico gratuito ou a custos sociais para a comunidade, ampliando o acesso e contribuindo para a formação de novos profissionais.

• Serviços de Urgência e Emergência: O Pronto Atendimento em Saúde Mental (PASM), localizado no Complexo Hospitalar de Mangabeira, é uma referência para situações de crise e emergência psiquiátrica.

• Práticas Integrativas e Complementares (PICS): João Pessoa tem se destacado pela incorporação das PICS na rede de saúde, com Centros de Práticas Integrativas e Complementares (CPICS) como o Equilíbrio do Ser e o Canto da Harmonia, que oferecem atividades terapêuticas e de bem-estar que podem complementar o cuidado em saúde mental.

• Apoio da Sociedade Civil e Iniciativas Voluntárias: Organizações como o Centro de Valorização da Vida (CVV), através do telefone 188, oferecem apoio emocional vital e atuam na prevenção do suicídio.

Desafios Estruturais e Conjunturais no Cuidado à Mente:

Apesar da existência de uma rede bem intencionada, a garantia de um cuidado em saúde mental universal e de qualidade em João Pessoa enfrenta obstáculos significativos:

• Acesso, Equidade e a Demanda Crescente: A demanda por serviços de saúde mental tem aumentado consideravelmente, muitas vezes superando a capacidade de atendimento da rede e resultando em filas de espera. A distribuição geográfica dos serviços e as dificuldades de transporte podem ser barreiras para moradores de áreas mais periféricas ou com menor acesso à informação.
• O Estigma e as Barreiras Socioculturais: O preconceito em relação aos transtornos mentais e à busca por ajuda profissional ainda é uma realidade. Em uma região com fortes tradições culturais, o estigma pode ser um obstáculo considerável, levando ao isolamento e ao adiamento da busca por tratamento.
• O Peso dos Fatores Socioeconômicos e as Vulnerabilidades: A desigualdade social, o desemprego, a violência urbana e a falta de acesso a direitos básicos são fatores de risco importantes para o desenvolvimento de transtornos mentais. Populações em situação de vulnerabilidade, como comunidades carentes e pessoas em situação de rua, requerem um olhar e um cuidado diferenciados.
• Recursos e a Sustentabilidade da Rede: A garantia de financiamento adequado para a manutenção, expansão e qualificação contínua da RAPS, bem como a valorização e a contratação de profissionais em número suficiente (psiquiatras, psicólogos, terapeutas ocupacionais, assistentes sociais, enfermeiros), são desafios permanentes para a gestão pública.
• Questões Específicas: O impacto do uso problemático de álcool e outras drogas na juventude, a saúde mental de populações específicas como pescadores artesanais ou comunidades tradicionais, e as consequências psicossociais da urbanização acelerada em áreas costeiras são temas que merecem atenção particular.

Semeando Bem-Estar: Iniciativas e Perspectivas Futuras:

Mesmo diante dos desafios, João Pessoa demonstra um compromisso crescente com a promoção da saúde mental, impulsionado por diversas iniciativas e um potencial de avanço:

• Políticas Públicas e Programas Municipais e Estaduais: As gestões públicas têm buscado fortalecer a RAPS, ampliar o acesso aos serviços e qualificar o atendimento, com um destaque para a integração das Práticas Integrativas e Complementares como um diferencial no cuidado.
• O Protagonismo da Academia: As universidades locais são parceiras cruciais na formação de profissionais de saúde mental, na realização de pesquisas que buscam compreender as realidades locais e no desenvolvimento de projetos de extensão que beneficiam diretamente a comunidade.
• Conscientização, Educação em Saúde e a Luta Antimanicomial: Campanhas como o “Janeiro Branco” (dedicado à conscientização sobre a saúde mental) e o “Setembro Amarelo” (prevenção ao suicídio), juntamente com os movimentos sociais em defesa dos direitos das pessoas com transtornos mentais, ganham cada vez mais espaço na cidade, promovendo o debate público, combatendo o estigma e incentivando a busca por ajuda.
• A Busca por um Cuidado Humanizado, Territorial, Intersetorial e Integrativo: Há um esforço crescente para promover um cuidado em saúde mental que seja humanizado, centrado nas necessidades e na autonomia do indivíduo, que valorize o vínculo terapêutico e que seja articulado com outras políticas setoriais (assistência social, educação, cultura, esporte, trabalho e renda) para abordar os determinantes sociais do sofrimento psíquico.

O Sol que Nasce em João Pessoa Iluminando Caminhos para a Saúde Mental

João Pessoa, a cidade onde o sol cumprimenta o Brasil primeiro, é um lugar de rica história, belezas naturais cativantes e uma cultura acolhedora. Sua trajetória é marcada pela resiliência e pela capacidade de preservar suas raízes enquanto se abre para o novo. No campo da saúde mental, essa mesma resiliência e esse espírito acolhedor podem ser os grandes diferenciais para construir um futuro onde o bem-estar psíquico seja uma prioridade para todos os pessoenses.

A “Cidade Verde”, com seus parques e sua orla convidativa, já oferece um ambiente propício à qualidade de vida. Aliado a isso, o fortalecimento contínuo da Rede de Atenção Psicossocial, a valorização dos profissionais, o combate incansável ao estigma e a promoção de uma cultura de cuidado e empatia são essenciais. Ao integrar suas PICS, suas iniciativas comunitárias e o conhecimento produzido em suas universidades, João Pessoa tem o potencial de não apenas enfrentar seus desafios, mas de se tornar uma referência em cuidado humanizado e integral em saúde mental. Que o sol que nasce primeiro na “Porta do Sol” possa iluminar cada vez mais os caminhos para uma sociedade onde a saúde da mente seja cultivada com a mesma dedicação com que se preserva seu patrimônio e sua beleza.