Fortaleza: A Terra da Luz Entre a Vibrante Cultura Costeira e os Desafios da Saúde Mental

Fortaleza, a capital do estado do Ceará, é uma cidade que irradia uma energia contagiante, banhada pelo sol generoso do Nordeste e embalada pela brisa constante do Oceano Atlântico. Conhecida como a “Terra da Luz”, em referência ao seu pioneirismo na abolição da escravatura no Brasil, e frequentemente chamada de “Capital da Alegria” pela hospitalidade e bom humor de seu povo, Fortaleza é um destino que combina praias urbanas deslumbrantes, uma cultura efervescente e uma história rica. Com uma população que ultrapassa os 2,7 milhões de habitantes (estimativa IBGE), esta metrópole dinâmica e multifacetada enfrenta, como outros grandes centros urbanos, a crescente e complexa demanda por cuidados e atenção à saúde mental de seus cidadãos. Este texto propõe um mergulho na alma fortalezense, explorando suas belezas, sua trajetória e sua identidade cultural, para então adentrar o panorama da saúde mental na cidade, seus avanços, desafios e as perspectivas de um futuro mais saudável para a mente de seu povo.

Fortaleza: História, Praias e um Caldeirão Cultural Cearense

A história de Fortaleza remonta ao século XVII, com a construção do Forte Schoonenborch pelos holandeses em 1649, nas margens do Riacho Pajeú. Posteriormente, com a expulsão dos holandeses, os portugueses reergueram a fortificação, nomeando-a Fortaleza de Nossa Senhora da Assunção, que deu origem ao nome da cidade. O desenvolvimento inicial foi lento, marcado por disputas territoriais, a resistência dos povos indígenas nativos e os desafios impostos pelo clima semiárido do sertão cearense, que influenciava a vida na capital costeira através de ciclos de secas e migrações.

O título de “Terra da Luz” foi conquistado em 25 de março de 1884, quando o Ceará se tornou a primeira província brasileira a abolir a escravidão, quatro anos antes da Lei Áurea. Esse marco histórico é um motivo de grande orgulho para os cearenses e reflete um espírito de vanguarda e luta por liberdade.

A orla marítima de Fortaleza é, sem dúvida, um de seus maiores atrativos. A Avenida Beira Mar, com seu extenso calçadão, é o coração pulsante da vida turística e social, conectando praias urbanas como Iracema (famosa por sua atmosfera boêmia e pela Ponte dos Ingleses, um icônico píer para contemplar o pôr do sol), Meireles (com sua feirinha de artesanato) e Mucuripe (com seu mercado de peixes e jangadas coloridas). Mais afastada, a Praia do Futuro é conhecida por suas barracas estruturadas, suas ondas fortes e seus ventos constantes, que a tornam um paraíso para surfistas e praticantes de kitesurf.

A cultura cearense é um caldeirão vibrante de influências indígenas, europeias e africanas, resultando em manifestações únicas. O humor é uma marca registrada do povo cearense, que revelou inúmeros talentos para o Brasil. A música é dominada pelo forró, xote e xaxado, ritmos contagiantes que embalam festas e celebrações. O repente e a literatura de cordel são expressões artísticas populares que narram histórias do cotidiano, do sertão e do imaginário popular. O artesanato é rico e diversificado, com destaque para a renda de bilro, o labirinto, a cerâmica, as peças em couro e as garrafas com areia colorida que retratam paisagens locais.

A gastronomia é outro ponto alto, com pratos que exploram os sabores do mar e do sertão. Frutos do mar frescos, especialmente o caranguejo (uma iguaria local celebrada nas “quintas do caranguejo”), peixes como a cioba e o pargo, e camarões são abundantes. A carne de sol com macaxeira e queijo coalho, o baião de dois (arroz, feijão, queijo e outros ingredientes), a paçoca de carne seca, o cuscuz nordestino e a tapioca recheada são sabores autênticos que encantam o paladar.

O Centro Dragão do Mar de Arte e Cultura é um dos principais equipamentos culturais do Nordeste, abrigando cinemas, teatros, museus (como o Museu de Arte Contemporânea e o Museu da Cultura Cearense), planetário e espaços para shows e eventos. O Theatro José de Alencar, com sua arquitetura imponente em art nouveau e estrutura metálica importada da Escócia, é uma joia do patrimônio histórico e cultural. A Catedral Metropolitana de Fortaleza, o Mercado Central (ideal para compras de artesanato e produtos regionais) e a Estátua de Iracema, guardiã da praia homônima, são outros marcos importantes.

Economicamente, Fortaleza se destaca no turismo, no comércio, nos serviços e na indústria têxtil (sendo um dos maiores polos de confecção do país). Nos últimos anos, a cidade também tem buscado se posicionar como um hub de tecnologia e inovação.

Saúde Mental em Fortaleza: Desafios e Avanços na “Capital da Alegria”

Apesar da imagem festiva e da resiliência característica de seu povo, Fortaleza enfrenta desafios significativos no campo da saúde mental. As desigualdades sociais, a violência urbana, o estresse da vida em uma grande metrópole e as particularidades culturais e climáticas da região contribuem para um cenário complexo, onde o cuidado com o bem-estar psíquico é cada vez mais crucial.

A Extensa Rede de Atenção Psicossocial (RAPS) Fortalezense:

Fortaleza se destaca por possuir uma das Redes de Atenção Psicossocial (RAPS) mais capilarizadas e estruturadas do Brasil, buscando oferecer um cuidado comunitário, territorializado e em liberdade. Essa rede é composta por:

• Centros de Atenção Psicossocial (CAPS): São a espinha dorsal do cuidado em saúde mental, oferecendo atendimento a pessoas com transtornos mentais graves e persistentes, e também àquelas com necessidades decorrentes do uso de álcool e outras drogas. Fortaleza possui uma vasta gama de CAPS, divididos por regionais e especialidades:

  • CAPS Geral: Atendem adultos com transtornos mentais severos. Unidades como o CAPS Nise da Silveira, Dr. Nilson de Moura Fé (24h) e Prof. Gerardo da Frota Pinto são exemplos.
  • CAPS AD (Álcool e outras Drogas): Focados no tratamento de usuários de substâncias psicoativas, com unidades 24 horas como o CAPS AD Dr. Airton Monte e o CAPS AD Centro.
  • CAPSi (Infantojuvenil): Destinados ao cuidado de crianças e adolescentes com transtornos mentais, como o CAPSi Dr. Marcus Vinicius Ponte de Sousa e o Estudante Nogueira Jucá. A ampla distribuição desses centros pela cidade visa facilitar o acesso da população.

• Atenção Primária à Saúde (APS): As Unidades Básicas de Saúde (Postos de Saúde) são a porta de entrada preferencial do SUS e desempenham um papel fundamental na identificação precoce de problemas de saúde mental, no manejo de casos leves e moderados, na promoção da saúde mental e no encaminhamento qualificado para os CAPS e outros serviços especializados. Fortaleza tem investido na integração entre a APS e a RAPS.

• Clínicas-Escola Universitárias: Como um importante polo educacional, Fortaleza conta com diversas universidades que possuem cursos de Psicologia e mantêm clínicas-escola. Instituições como a Universidade Federal do Ceará (UFC), a Universidade de Fortaleza (UNIFOR), a UniChristus, a Universidade Estadual do Ceará (UECE), a UniFanor Wyden, a Estácio FIC, entre outras, oferecem atendimento psicológico gratuito ou a custos sociais para a comunidade. Esses serviços são cruciais para ampliar o acesso e para a formação de novos profissionais.

• Serviços Hospitalares de Referência: O Hospital de Saúde Mental Professor Frota Pinto (HSM) é a principal referência estadual para internações psiquiátricas de curta duração e emergências. Hospitais universitários, como o Hospital Universitário Walter Cantídio (HUWC/UFC), também possuem programas e ambulatórios especializados, como o PROADERE (Programa de Apoio ao Deprimido Refratário) e o PRAVIDA (Projeto de Apoio à Vida).

• Iniciativas Comunitárias e do Terceiro Setor: Organizações como o Instituto Bia Dote (com foco na prevenção do suicídio), o Centro de Valorização da Vida (CVV – telefone 188), e programas estaduais como o Plantão Psicológico ProVida da Secretaria da Saúde do Ceará (SESA) complementam a rede pública, oferecendo escuta qualificada e apoio emocional.

Desafios Estruturais e Conjunturais no Cuidado à Mente:

Apesar da robustez da rede, a saúde mental em Fortaleza enfrenta desafios persistentes:

• Acesso, Equidade e a Demanda Crescente: A grande extensão territorial de Fortaleza e a concentração de alguns serviços podem dificultar o acesso para moradores de áreas periféricas. A demanda por atendimento é crescente e, muitas vezes, superior à capacidade da rede, resultando em filas de espera.
• O Estigma e as Barreiras Socioculturais: O preconceito em relação aos transtornos mentais e à busca por ajuda profissional ainda é uma barreira significativa, especialmente em contextos de maior vulnerabilidade social ou em comunidades mais tradicionais.
• O Peso dos Fatores Socioeconômicos e da Violência Urbana: Fortaleza é uma cidade marcada por profundas desigualdades sociais. A pobreza, o desemprego, a falta de acesso a direitos básicos e, de forma muito impactante, os altos índices de violência urbana, são fatores de risco significativos para o desenvolvimento de transtornos mentais, incluindo trauma, ansiedade e depressão.
• Recursos e a Sustentabilidade da Rede: Garantir financiamento adequado para a manutenção, expansão e qualificação contínua da RAPS, bem como a valorização e a contratação de profissionais em número suficiente, são desafios constantes para a gestão pública.
• Questões Específicas: O uso problemático de álcool e outras drogas, especialmente o crack, é um grave problema de saúde pública com profundas implicações para a saúde mental. O impacto de ciclos de seca e suas consequências socioeconômicas também pode reverberar na saúde mental da população, especialmente daqueles com laços com o interior do estado.

Semeando Cuidado e Esperança: Iniciativas e Perspectivas Futuras:

Fortaleza tem demonstrado um compromisso contínuo com a melhoria dos serviços de saúde mental, com diversas iniciativas promissoras:

• Políticas Públicas e Programas Inovadores: A Secretaria Municipal de Saúde tem buscado fortalecer a RAPS, promover a desinstitucionalização e investir em programas de prevenção e promoção da saúde mental, muitas vezes com foco em populações vulneráveis.
• O Protagonismo da Academia: As universidades locais são parceiras cruciais na formação de recursos humanos, na produção de conhecimento científico adaptado à realidade local e no desenvolvimento de projetos de extensão que levam cuidado e informação às comunidades.
• Conscientização, Educação em Saúde e Participação Social: Campanhas como o “Janeiro Branco” e o “Setembro Amarelo” ganham cada vez mais espaço, promovendo o debate sobre saúde mental, combatendo o estigma e incentivando a busca por ajuda. A participação ativa de usuários, familiares e movimentos sociais é fundamental para o controle social e a construção de políticas mais eficazes.
• A Busca por um Cuidado Humanizado, Territorial e Intersetorial: Há um esforço crescente para promover um cuidado em saúde mental mais humanizado, que respeite a singularidade de cada indivíduo e que seja articulado com outras políticas setoriais (assistência social, educação, cultura, direitos humanos) para abordar os determinantes sociais do sofrimento psíquico.

Iluminando Caminhos para o Bem-Estar Mental na Terra da Luz

Fortaleza, com sua alegria contagiante, sua beleza natural e sua rica herança cultural, é uma cidade de imensa força e resiliência. A “Terra da Luz” não se furta a enfrentar seus desafios, e a saúde mental de sua população tem emergido como uma área de crescente atenção e investimento. A robustez de sua Rede de Atenção Psicossocial é um testemunho desse compromisso.

No entanto, a jornada para garantir um cuidado em saúde mental verdadeiramente acessível, equitativo, humanizado e livre de estigmas para todos os fortalezenses é contínua e complexa. Exige a persistência dos gestores, o engajamento dos profissionais de saúde, a colaboração da academia e a participação ativa da sociedade civil. É preciso seguir combatendo as desigualdades, enfrentando a violência e suas consequências psíquicas, e promovendo uma cultura de acolhimento, empatia e cuidado mútuo.

Ao honrar seu título de “Terra da Luz”, Fortaleza pode continuar a iluminar caminhos inovadores no campo da saúde mental, demonstrando que a alegria e a resiliência de seu povo, aliadas a políticas públicas eficazes e a um forte senso de comunidade, são ingredientes poderosos para construir um futuro onde o bem-estar psíquico seja uma realidade para todos.