Florianópolis: A Magia Insular Entre Belezas Naturais e os Contornos da Saúde Mental

Florianópolis, a capital do estado de Santa Catarina, é uma cidade que encanta e seduz, ostentando com orgulho o apelido de “Ilha da Magia”. Composta por uma ilha principal, a Ilha de Santa Catarina, uma parte continental e pequenas ilhas circundantes, a cidade é um mosaico de praias deslumbrantes, lagoas serenas, dunas imponentes, rica Mata Atlântica e uma herança cultural açoriana que permeia o sotaque, os costumes e as tradições locais. Reconhecida por sua alta qualidade de vida e por ser um polo de inovação tecnológica, Florianópolis atrai moradores e visitantes em busca de um equilíbrio entre natureza exuberante e desenvolvimento urbano. Contudo, por trás do cartão-postal paradisíaco, pulsam as complexidades da vida contemporânea e a crescente necessidade de um olhar atento e cuidadoso para a saúde mental de sua população, estimada em mais de 537 mil habitantes (IBGE, 2022). Este texto propõe uma viagem pela essência de Florianópolis, explorando sua história, seus encantos naturais e culturais, para então adentrar o universo da saúde mental na ilha, seus desafios, avanços e as perspectivas para um futuro onde a magia também signifique bem-estar psíquico.

Florianópolis: História, Natureza e Cultura na “Ilha da Magia”

Antes da chegada dos europeus, a Ilha de Santa Catarina era habitada pelos índios Carijós, do grupo Tupi-Guarani. O primeiro registro de um europeu na ilha data de 1515, com o navegador português João Dias de Solis. No entanto, a colonização efetiva iniciou-se em 1673, com a chegada do bandeirante paulista Francisco Dias Velho, que fundou o povoado de Nossa Senhora do Desterro, nome original da cidade. A posição estratégica da ilha no litoral sul do Brasil levou à construção de um imponente sistema de fortificações no século XVIII – como as fortalezas de Santa Cruz de Anhatomirim, São José da Ponta Grossa e Santo Antônio de Ratones – para proteger a região de invasões espanholas.

Um marco fundamental na formação da identidade cultural de Florianópolis foi a chegada massiva de imigrantes açorianos entre 1748 e 1756. Enviados pela Coroa Portuguesa para povoar e defender o território, os açorianos trouxeram consigo suas tradições, sua religiosidade, seu sotaque característico, técnicas de pesca, a renda de bilro e manifestações folclóricas como o Boi-de-Mamão e a Festa do Divino Espírito Santo, que resistem e encantam até os dias de hoje.

A natureza é, sem dúvida, a grande protagonista em Florianópolis. A ilha principal possui mais de 40 praias oficialmente catalogadas, cada uma com suas particularidades, desde as mais badaladas e urbanizadas, como Jurerê Internacional e Canasvieiras, até refúgios de surfistas, como a Praia Mole e a Joaquina (famosa por suas dunas), e recantos mais tranquilos e preservados, como a Lagoinha do Leste e a Praia da Solidão. A Lagoa da Conceição, com sua vasta extensão de água salobra, é um polo de lazer, esportes náuticos e gastronomia, cercada por montanhas cobertas de vegetação nativa.

A cultura “manézinha”, termo carinhoso para se referir aos nativos da ilha com forte ascendência açoriana, é marcada pela hospitalidade, pelo apego às tradições e por um estilo de vida mais tranquilo, embora a modernidade e o turismo tenham transformado significativamente o cotidiano. Nos últimos anos, Florianópolis também se consolidou como um importante polo tecnológico, atraindo empresas e talentos da área de tecnologia da informação, o que lhe rendeu o apelido de “Silicon Island”. Essa dualidade entre o tradicional e o moderno, o bucólico e o tecnológico, é uma das marcas da cidade.

A gastronomia local é um deleite, especialmente para os apreciadores de frutos do mar. Ostras (Florianópolis é uma das maiores produtoras do Brasil), berbigão, camarão e, claro, a tainha (celebrada anualmente durante a safra) são ingredientes principais em pratos que combinam a simplicidade da cozinha açoriana com toques contemporâneos. O Mercado Público, no centro da cidade, é um local vibrante para experimentar essas iguarias e sentir o pulsar da cultura local.

A icônica Ponte Hercílio Luz, reinaugurada após décadas de interdição, é o principal cartão-postal e símbolo da ligação entre a ilha e o continente. Outros pontos de interesse incluem a Praça XV de Novembro, com sua figueira centenária, o centro histórico com seu casario colonial, e bairros charmosos como Santo Antônio de Lisboa e Ribeirão da Ilha, que preservam a arquitetura e a atmosfera açoriana.

Economicamente, Florianópolis depende fortemente do turismo, que movimenta grande parte dos serviços e do comércio, especialmente durante a alta temporada de verão. O setor de tecnologia é o segundo pilar econômico, seguido pela pesca e maricultura. Essa dinâmica, no entanto, também traz desafios, como a sazonalidade do emprego, a pressão sobre a infraestrutura urbana e o elevado custo de vida.

Saúde Mental em Florianópolis: Cuidando da Mente na Ilha da Magia

A imagem de Florianópolis como um paraíso natural, com alta qualidade de vida, pode, paradoxalmente, criar uma expectativa que nem sempre condiz com a realidade individual de seus moradores. O chamado “paradoxo do paraíso” sugere que, mesmo em locais idílicos, as pressões da vida moderna, os desafios socioeconômicos e as vulnerabilidades individuais podem impactar significativamente a saúde mental. Reconhecer essa complexidade é fundamental para construir um sistema de cuidado eficaz e acessível.

A Rede de Atenção Psicossocial (RAPS) em Florianópolis:

O Sistema Único de Saúde (SUS) em Florianópolis organiza a assistência em saúde mental através da Rede de Atenção Psicossocial (RAPS), que busca oferecer um cuidado integral, territorializado e focado na autonomia e reinserção social dos indivíduos. Essa rede é composta por:

• Centros de Atenção Psicossocial (CAPS): São os principais articuladores do cuidado em saúde mental no território. Florianópolis conta com diferentes modalidades:

  • CAPS II (como o CAPS Ponta do Coral): Atende adultos com transtornos mentais graves e persistentes.
  • CAPS AD (Álcool e outras Drogas – Ilha e Continente): Oferece cuidado especializado para pessoas com necessidades decorrentes do uso problemático de álcool e outras substâncias psicoativas.
  • CAPSi (Infantojuvenil): Voltado para o atendimento de crianças e adolescentes com transtornos mentais. Estes centros funcionam em regime de porta aberta, oferecendo acolhimento, acompanhamento multiprofissional e atividades terapêuticas.

• Atenção Primária à Saúde (APS): As Unidades Básicas de Saúde (UBS) são a porta de entrada do SUS e têm um papel crucial na identificação precoce de problemas de saúde mental, no manejo de casos leves a moderados, na promoção da saúde e na articulação com os CAPS e outros serviços especializados.

• Serviços Hospitalares: O Hospital Universitário (HU/UFSC) e outros hospitais da rede podem oferecer suporte em situações de crise aguda e, quando necessário, internações de curta duração, alinhadas com as diretrizes da reforma psiquiátrica. O Projeto Amanhecer, no HU, é um exemplo de iniciativa que oferece terapias.

• Clínicas-Escola Universitárias: Florianópolis, como importante centro universitário, conta com serviços valiosos prestados por clínicas-escola de psicologia. A Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC), através do Serviço de Atenção Psicológica (SAPSI), a Universidade do Sul de Santa Catarina (UNISUL) e o Centro Universitário UniCesusc (com o CEPSI) são exemplos de instituições que oferecem atendimento psicológico gratuito ou a custos sociais para a comunidade, desempenhando um papel fundamental na ampliação do acesso e na formação de profissionais.

• Iniciativas Comunitárias e do Terceiro Setor: Diversas ONGs e projetos comunitários complementam a rede pública, oferecendo acolhimento, grupos de apoio e atendimento especializado. Exemplos incluem o Movimento Porta Aberta, a Comunidade Gestáltica, a ASSIM SC, a ADEH (com foco na população LGBTQIA+), a Ação Social da Trindade e o Centro de Valorização da Vida (CVV), com seu crucial serviço de apoio emocional e prevenção do suicídio pelo telefone 188.

Desafios no Paraíso: Obstáculos ao Bem-Estar Psíquico:

Apesar da existência de uma rede estruturada, o acesso e a promoção da saúde mental em Florianópolis enfrentam desafios particulares:

• Acesso e Equidade: A geografia insular, com suas praias e comunidades por vezes de difícil acesso, e a distribuição dos serviços podem impor barreiras geográficas. A alta demanda, especialmente durante a temporada turística, quando a população flutuante aumenta, pode sobrecarregar os serviços e gerar filas de espera. O elevado custo de vida na cidade também pode ser um fator de estresse e dificultar o acesso a tratamentos particulares para quem não consegue vaga no sistema público ou social.
• Estigma e Barreiras Culturais: Embora Florianópolis seja considerada uma cidade com uma mentalidade relativamente progressista, o estigma em relação aos transtornos mentais e à busca por ajuda profissional ainda existe. Questões culturais e a idealização do “morar no paraíso” podem dificultar o reconhecimento e a expressão do sofrimento psíquico.
• Impactos Socioeconômicos e Vulnerabilidades: A gentrificação em áreas valorizadas, a instabilidade do emprego ligada ao turismo, as pressões no competitivo setor de tecnologia e as desigualdades sociais são fatores que podem afetar a saúde mental. Estudantes universitários, muitos deles vindos de outras cidades e estados, também formam um grupo que pode apresentar vulnerabilidades específicas.
• Recursos e Sustentabilidade da Rede: Garantir financiamento adequado para a manutenção e expansão da RAPS, bem como a contratação e retenção de profissionais qualificados em número suficiente, são desafios constantes para a gestão pública.
• Questões Específicas: O uso problemático de substâncias psicoativas, o isolamento social em algumas comunidades ou entre certos grupos populacionais, e os impactos da pressão estética e do estilo de vida associado à “ilha” são questões que merecem atenção.

Horizontes de Cuidado: Iniciativas e Perspectivas para a Saúde Mental na Ilha:

Apesar dos desafios, Florianópolis demonstra um compromisso crescente com a promoção da saúde mental, impulsionado por diversas iniciativas:

• Políticas Públicas e Programas Locais: A Secretaria Municipal de Saúde busca continuamente fortalecer a RAPS, ampliar o acesso e qualificar os serviços, investindo em programas de prevenção e promoção da saúde mental.
• O Protagonismo da Academia: As universidades locais, especialmente a UFSC, são atores centrais na formação de profissionais, na pesquisa científica sobre as particularidades da saúde mental na região e no desenvolvimento de projetos de extensão que beneficiam diretamente a comunidade.
• Conscientização e Educação em Saúde Mental: Campanhas como o “Janeiro Branco” e o “Setembro Amarelo” são cada vez mais presentes na cidade, contribuindo para a desmistificação dos transtornos mentais e para o incentivo à busca por ajuda.
• A Busca por um Cuidado Humanizado e Integrado à Natureza: Florianópolis possui um potencial único para integrar as práticas de cuidado em saúde mental com seus vastos recursos naturais. Iniciativas que promovam atividades terapêuticas ao ar livre, ecoterapia e a conexão com a natureza podem ser particularmente benéficas e alinhadas com a vocação da cidade.

Conclusão: Tecendo o Bem-Estar na Trama da “Ilha da Magia”

Florianópolis, com sua beleza estonteante e seu dinamismo contagiante, é uma cidade que inspira sonhos e atrai talentos. A “magia” da ilha, no entanto, não está apenas em suas paisagens, mas na capacidade de sua comunidade de enfrentar seus desafios com resiliência e criatividade. Cuidar da saúde mental de seus habitantes é um passo fundamental para que essa magia se traduza em bem-estar genuíno e sustentável para todos.

A jornada para construir um sistema de saúde mental verdadeiramente acessível, equitativo, humanizado e livre de estigmas é contínua e exige o engajamento de todos os setores da sociedade. Ao valorizar seus profissionais de saúde, fortalecer suas redes de apoio, promover a educação em saúde mental e integrar o cuidado com a riqueza de seu ambiente natural, Florianópolis pode não apenas enfrentar seus desafios, mas também se tornar um exemplo de como a beleza de um lugar pode caminhar lado a lado com a saúde e a felicidade de seu povo. A verdadeira “Ilha da Magia” é aquela onde cada mente encontra espaço para florescer.